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Domingo, 22 de Dezembro de 2024

Cidades goianas que adotaram 'kit covid' não tiveram queda em casos e mortes



Cidades goianas que adotaram 'kit covid' não tiveram queda em casos e mortes

Números da pandemia nas 12 prefeituras em Goiás que usaram o kit covid - uso de remédios sem comprovação científica contra infecção - é igual ao de cidades do mesmo porte


Ao menos 12 prefeituras goianas distribuíram em suas redes municipais de Saúde medicamentos contra a Covid-19 que não apresentam até hoje comprovação científica e que ao longo dos meses foram ganhando vários nomes, como “kit covid” e, agora, “tratamento precoce”. Levantamento feito pelo POPULAR mostra que o número de casos confirmados de pessoas contaminadas e de mortes pelo coronavírus nestas localidades não difere das cidades de mesmo porte no Estado que não adotaram a medida.


Medicamentos como cloroquina, ivermectina e azitromicina foram apresentados por alguns médicos e autoridades no início da pandemia como recursos para o tratamento de pacientes com coronavírus (Sars-CoV-2), mas de lá pra cá até mesmo o fabricante da ivermectina, a Merck, já emitiu nota para informar que seus cientistas realizam análises constantes e que não há base científica para comprovar a eficácia do mesmo no tratamento da Covid-19. Esse assunto até hoje gera debate entre profissionais. Enquanto infectologistas reforçam que o uso indiscriminado pode ser prejudicial à saúde e dar uma falsa sensação de segurança, outros médicos seguem prescrevendo.


Duas das 12 cidades, inclusive, apresentam um índice de casos confirmados de Covid-19 muito acima da média das outras cidades do mesmo porte: Palmeiras de Goiás e Chapadão do Céu (veja quadro). Palmeiras está no mesmo grupo que Alexânia, as dos municípios entre 28 mil e 30 mil habitantes, e ambas já distribuíram o kit covid em algum momento da pandemia. A primeira apresenta uma média de 134 casos a cada mil habitantes, a segunda, 60, As outras cidades na mesma faixa populacional ficam entre 37 e 47 casos.


Ao analisar a situação em cada uma das 12 cidades, há as que chamam atenção não apenas pelos números de casos e mortes. Ceres, que entre os municípios com 22 mil habitantes é o que tem a maior taxa de pessoas contaminadas e o de óbitos por mil habitantes, foi a que mais solicitou leitos de UTI para a rede estadual de Saúde, segundo levantamento noticiado pelo POPULAR em meados de fevereiro.


Outras cidades

Em Itaberaí, cidade com 43,6 mil habitantes, houve a distribuição dos kits pela antiga gestão municipal. A cidade aparece um pouco atrás no total de casos confirmados por mil pessoas entre os municípios na mesma faixa habitacional, mas à frente no de vidas perdidas. A atual prefeita, Rita de Cássia (PSB), diz que não existe mais a distribuição dos kits, até porque o médico que atua nos casos de coronavírus é contrário ao tratamento precoce. Ela destaca que, com o aumento recente de casos, tem intensificado ações como a proibição de cultos e missas, academias e eventos.

 

O prefeito reeleito Itamar Leão (PSDB) acredita que ter comprado os medicamentos para a profilaxia foi importante. “Teve o lado positivo. Se não atrapalhou, acredito que ajudou. Neste ano chegamos a ficar três dias sem pacientes em tratamento.” Ele reforça que os remédios foram prescritos pelos nove médicos do município. “Não foi uma distribuição aleatória”, diz. Leão acrescenta que, para evitar aumento nesta segunda onda, tem exigido cumprimento das regras do decreto estadual, adotado na cidade, mas o kit covid segue sendo indicado.

 

Trindade, que distribuiu os medicamentos no ano passado, informou em nota que na cidade não há a distribuição desses kits, mas reconhece o fornecimento para os médicos que decidam prescrevê-los. “A prescrição de qualquer medicamento está, e sempre esteve, vinculada à autonomia do médico. A prefeitura tem a obrigação de viabilizar o medicamento prescrito pelo profissional de saúde competente.” A cidade tem 129,8 mil habitantes. Em comparação com Formosa e Senador Canedo, que tem mesmo porte, a média de mortes é superior.

 

Em São Luís de Montes Belos, o prefeito reeleito Major Eldecírio (PDT) distribuiu 20 mil kits para a população no ano passado com medicamentos supostamente para prevenção e outros para quem já estava contaminado. “Nunca perdemos o controle e acreditamos que a distribuição, além de ajudar na imunização, colaborou para a resistência da população.”

 

O prefeito diz que a comparação que ele faz é com cidades vizinhas. “Temos cidades próximas que tem situação crítica. Não acompanhamos os pacientes durante e depois da contaminação, mas na nossa percepção geral foi importante.” Entretanto, das 6 cidades mais próximas de São Luís de Montes Belos, apenas Turvânia apresenta mais mortes e casos confirmados na média por mil habitantes.

 

Alexânia também distribuiu diversos kits com os medicamentos no ano passado, sem que houve impacto na média de casos e mortes em relação aos outros municípios na faixa de 28 mil a 30 mil habitantes. O prefeito Allysson Lima (PP) diz que, no ano passado, o kit só era entregue para as pessoas que passavam por avaliação médica. “Temos para ser ofertado em caso de necessidade, mas não há mais a distribuição. Para conter os casos, vamos restringir várias atividades e tomaremos medidas semelhantes às do DF.”

 

Cidade está com UTI lotada e gente na fila

Outra cidade que chama a atenção na lista das que usaram o kit, agora chamado de tratamento precoce, é Caldas Novas, que em comparação com Planaltina – as duas cidades têm em torno de 90 mil habitantes – tem mais que dobro de casos por mil habitantes e lidera na taxa de mortes em relação à cidade do Entorno do Distrito Federal. Caldas foi citada na época em que o governo estadual lançou o mapa de calor de risco de Covid-19 como uma das 15 cidades em que a segunda onda da epidemia já apresentava mais picos de casos que a primeira.

 

Secretário municipal de saúde de Caldas Novas, Ângelo Paulo da Silva confirma que a cidade ainda distribui os medicamentos do kit covid. “Colocamos os kits à disposição da população. Foi elaborado pela nossa equipe e está disponível na nossa unidade de retaguarda.” Mas ele destaca que para ter acesso o cidadão precisa passar por triagem com enfermeiros e médico, responder questionário e passar por uma consulta.

 

Estamos buscando todas as ferramentas possíveis até que tenhamos as vacinas para todos. Mas nosso foco é reforçar os protocolos que todo mundo já conhece, que é lavar as mãos, usar álcool, máscara e evitar aglomerações. Para isso vamos tomar medidas para garantir o cumprimento das regras.”

 

Nesta sexta-feira, a cidade, que resolveu fechar as atividades não-essenciais por 7 dias a partir de quarta-feira (3), estava com os 16 leitos de UTI ocupados e 10 pessoas na fila.


Não há estudos comprobatórios

Não existem ainda medicamentos que reduzam a carga viral e que tenham ação efetiva contra o novo coronavírus. A Organização Municipal de Saúde (OMS) afirma que não há evidências suficientes que comprovem os benefícios do uso dos remédios e produtos que integram o chamado kit covid. Tampouco há estudos científicos que avaliem o impacto do tratamento precoce para Covid-19. 


O infectologista Marcelo Daher entende que o comportamento em busca de algo “milagroso” contra a doença é recorrente na história. Ele compara com pacientes que atende com HIV que, mesmo tendo medicamento gratuito comprovadamente eficaz, fazem uso de comprimidos compostos por plantas medicinais com característica de fortalecimento do sistema imune sem comprovação científica de eficácia.

O médico se preocupa porque acredita que pessoas que recebem os kits para o “tratamento precoce” podem ter quadro agravado por acreditarem no resultado, ainda mais quando recebem das mãos de médicos ou chancelados por autoridades. Daher explica que já tem observado pacientes que chegam à emergência depois de duas semanas dos primeiros sintomas, já em estado grave. Estes pacientes relatam que estavam em casa, tomando os medicamentos e aguardando a melhora e só procuraram o atendimento médico quando o estágio já estava avançado. “Alguns desses medicamentos só vão ter resultados satisfatórios quando administrados no momento adequado.”

 

O médico infectologista Luis Fernando Waib entende que a avaliação sobre os dados entre as cidades que distribuíram ou não os chamados “kit covid” em Goiás só teria resultado relevante se fosse considerado o desfecho dos pacientes que usaram os medicamentos. Ele explica que as opiniões sobre o uso ainda não são uniformes e que existem profissionais que os utilizam em determinadas fases da doença de maneira satisfatória.

 

Waib defende que as abordagens precisam ser realizadas de acordo com a necessidade do paciente, que é individual, e ele refuta qualquer verdade sacramentada neste assunto. O infectologista entende que comparar narrativas não é importante para o paciente que precisa de um tratamento com urgência. “A melhor evidência é a científica.” 

 

O presidente Jair Bolsonaro é defensor, desde o início da pandemia, do uso dos medicamentos incluídos no kit covid. Em 4 de fevereiro, em uma live, disse que não vai se arrepender de ter indicado a hidroxicloroquina, mesmo se houver a confirmação da ineficácia. Ele ainda disse que os remédios podem ser considerados placebos. “Se não faz mal, por que não tomar?”

Marcelo Daher questiona as medidas incentivadas pelo presidente. “O próprio presidente questiona em vários momentos a utilização da máscara, questiona a vacina e preconiza a utilização destes medicamentos.” Ele acredita que muitos prefeitos assumiram essa distribuição, mesmo que velada, para não se indisporem com Bolsonaro. “Se ele faz disso uma bandeira política e tem milhões de seguidores é esperado que isso vá acontecer.”

Fonte: O Popular
Foto: Wildes Barbosa

 




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